A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) dá início, nesta sexta, 1º de agosto, à terceira edição do Programa CPLP Audiovisual (PAV III), com a abertura das inscrições para as convocatórias nacionais que se estendem até 25 de setembro. A iniciativa visa apoiar a produção e a teledifusão de obras audiovisuais entre os países lusófonos através de editais públicos coordenados em rede. No Brasil, o programa é uma parceria com o Ministério da Cultura (MinC), por meio da Secretaria do Audiovisual (SAV), e a TV Brasil, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
O objetivo central desta nova fase, segundo seus coordenadores, transcende o fomento pontual. Em entrevista para o boletim “Tela Viva / Programa CPLP Audiovisual”, uma parceria entre o portal e o programa disponível no canal da Tela Viva no Youtube, Mauro Garcia, coordenador geral da unidade técnica do Programa CPLP, definiu a meta como a “busca da construção de um mercado audiovisual de língua portuguesa”. “Vivemos uma difusão global de conteúdos, principalmente pela performance das plataformas de streaming, e a produção audiovisual em língua portuguesa ainda não está presente adequadamente”, afirmou Garcia. Para ele, é preciso avançar na criação de um mercado de distribuição que permita não apenas a circulação entre os países da comunidade, mas também a inserção dessas obras em outros mercados globais.
Para alcançar essa meta, o PAV III vai financiar a produção de nove telefilmes de 52 minutos e 27 curtas-metragens, com duração entre 15 e 30 minutos. Cada país-membro selecionará um projeto de telefilme inédito, nas categorias de documentário (DOCTV) ou ficção (FICTV), e três curtas-metragens. Os longas-metragens selecionados receberão um aporte de € 65 mil, enquanto os curtas contarão com € 18 mil cada. As 36 obras resultantes serão exibidas nas emissoras de televisão públicas dos nove Estados-Membros da CPLP: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
O retorno do Brasil ao programa, após uma ausência de seis anos, foi um marco para esta edição. O anúncio ocorreu em abril de 2023, durante uma visita da ministra da Cultura, Margareth Menezes, e da secretária do audiovisual, Joelma Gonzaga, à sede da CPLP em Lisboa, Portugal. Na ocasião, a ministra assegurou um apoio financeiro de € 1 milhão. “É muito importante retomar esse programa, porque além de gerar ampliação e fortalecimento da nossa língua e da nossa relação, também gera trabalho, conhecimento, avanço social e emancipação para as pessoas do setor e dos países”, declarou Menezes à época.
Além do Brasil, a iniciativa é financiada com recursos de Angola e Portugal. A participação financeira angolana é inédita e representa um avanço na cooperação Sul-Sul dentro da comunidade.
Uma estrutura de rede e quatro eixos de atuação
O programa está estruturado em uma complexa operação em rede, coordenada por uma Unidade Técnica de Gestão Executiva sediada no Brasil e a cargo do Instituto de Conteúdos Audiovisuais Brasileiros (ICAB). Esta unidade articula-se com o Secretariado Executivo da CPLP em Lisboa e com os polos nacionais em cada país, que são formados pela parceria entre as autoridades locais do audiovisual e as televisões públicas.
Mário Borgnetti, coordenador executivo da unidade técnica do PAV III, explica que o método de trabalho se baseia na simultaneidade, com todas as etapas ocorrendo ao mesmo tempo nos nove países. “É uma esquadra onde não tem o barquinho que vai lá na frente e o barquinho que ficou lá atrás. A navegação tem que ser simultânea, e isso promove dinâmicas muito interessantes, no princípio da solidariedade”, afirmou.
A operação do PAV III se desenvolve em quatro eixos principais. O primeiro e central é o fomento à produção, por meio das convocatórias para DOCTV e FICTV. O segundo é o “Programa Nossa Língua”, que visa o intercâmbio de conteúdos já existentes entre as emissoras públicas. Cada país selecionará um documentário nacional para licenciamento, compondo uma série de nove obras que serão exibidas simultaneamente na rede, servindo como um “aquecimento” para a difusão das produções inéditas.
A terceira linha de atuação, uma novidade desta edição, é o “Painel Audiovisual da CPLP”, uma pesquisa para mapear os setores audiovisuais dos Estados-Membros. O objetivo é diagnosticar a cadeia produtiva, levantar agentes, infraestrutura, marcos regulatórios e identificar potencialidades e fragilidades. “Este é aquele do qual nós estamos muito interessados mesmo, porque vai permitir conhecer melhor o potencial existente, ou as nossas fraquezas e debilidades. E, daí, ajudar-nos a formular políticas e a sensibilização dos que tomam as decisões”, destacou Domingos Magalhães, representante da Agência Nacional das Indústrias Culturais e Criativas (Anic) de Angola.
Por fim, o quarto eixo consiste em um conjunto de oficinas de formação em áreas como gestão, desenvolvimento de projetos, técnicas de fotografia, som, montagem e curadoria, que ocorrerão de forma presencial e online, permeando todo o processo de produção das obras.
Expectativas e o fortalecimento do mercado
Para o Brasil, o programa tem uma importância estratégica que vai além do fomento. Segundo André Araújo, coordenador geral da Diretoria de Preservação e Difusão Audiovisual da SAV, a iniciativa se insere em um “reposicionamento do Brasil em relação à sua participação em organismos multilaterais”. Ele ressaltou que o CPLP Audiovisual foi apontado como uma prioridade pela atual gestão do MinC. “Acho que o nosso grande objetivo aqui (…) é que a gente consiga, de fato, gradativamente entender e fortalecer a CPLP como um mercado audiovisual comum. É um mercado e uma comunidade que envolve mais de 300 milhões de pessoas, que já estabelece uma série de trocas (…) e que, seguramente, tem um potencial ainda enorme a ser explorado”, disse Araújo.
Portugal, parceiro desde a primeira edição por meio do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), compartilha da mesma visão. Luís Chaby, do ICA, vê o programa como uma ferramenta para criar o “mercado natural” de língua portuguesa. “Temos que afirmar isto como um dos aspectos centrais da nossa atividade política”, declarou. Chaby acredita que o programa é uma ferramenta essencial para que as histórias que ainda não foram contadas “vejam a luz do dia”, especialmente nos países com maiores dificuldades de produção. Ele enfatizou a necessidade de solidariedade entre os membros para que o resultado “cumpra aquilo que são os requisitos cada vez mais exigentes do mercado global”.
A participação de Angola pela primeira vez na coordenação executiva e no financiamento é vista como um passo significativo. “Para nós, a expectativa é muito grande. Para nós que queremos aprender e que estamos ainda na escala de desenvolvimento nesse setor do audiovisual”, afirmou Domingos Magalhães. Ele pontuou que, embora profissionais angolanos tenham participado de edições anteriores, o impacto não foi sentido de forma estrutural no país. A expectativa agora é que a participação efetiva na coordenação ajude a dar “um impacto maior, um envolvimento maior a todos os produtores” e que o sucesso desta edição possa influenciar outros países a também contribuírem financeiramente no futuro.
Oportunidades em um cenário global
Os coordenadores do programa apontam para uma janela de oportunidade no mercado global de conteúdo. Mauro Garcia identifica uma “carência de narrativa, ou um esgotamento de narrativa” no principal centro produtor, Hollywood. “Há uma oportunidade que aparece muito grande para nós aqui, da comunidade dos países de língua portuguesa: é trazer as nossas histórias”, disse ele.
A criação de um sentimento de identidade comum e de autorreconhecimento entre os públicos dos nove países é uma consequência desejada, mas que depende de um esforço contínuo. Luís Chaby pondera que o programa, por si só, não resolverá a questão. “Não vai ser o cartão de visita que, de repente, vai ser uma espécie de abracadabra, de varinha mágica, que de repente toda a gente comece a consumir conteúdos uns dos outros”, afirmou. Para ele, este é um primeiro passo essencial para retomar o tempo perdido e promover mais intercâmbios, sendo a coprodução uma ferramenta fundamental.
André Araújo complementa que um diferencial desta edição é o fortalecimento das perspectivas de comercialização das obras para além da rede de TVs públicas da CPLP, o que cria horizontes para que os conteúdos alcancem outros territórios, “difundindo a nossa língua, as nossas visões, nossos imaginários”.
As duas edições anteriores do programa resultaram na produção de 18 documentários e quatro obras de ficção, além da circulação de outros 28 documentários, somando mais de 50 horas de programação compartilhada. Com um escopo ampliado e um alinhamento estratégico entre os países financiadores, a terceira edição busca consolidar o PAV como uma política pública perene para o audiovisual lusófono.
Ao final, os representantes dos países e da coordenação do programa reforçaram o convite à participação. “Participem das convocatórias, participem da construção desse espaço audiovisual da língua portuguesa. E vamos construir. Isto é matéria, energia pura de criatividade, de desejo e de muito trabalho”, concluiu Mário Borgnetti.